Os activistas que estão a ser julgados em Luanda, por supostamente prepararem uma rebelião e um atentado contra o Presidente da República, foram hoje confrontados, em julgamento, com um vídeo recolhido, alegadamente, por um agente infiltrado no grupo, com a defesa a querer identificar o autor.
O relato foi feito à Lusa pelo advogado David Mendes, no final da sexta sessão do julgamento, que está a decorrer desde 16 de Novembro na 14ª Secção do Tribunal Provincial de Luanda, em Benfica, – ao qual o acesso da imprensa continua proibido -, e que hoje permitiu concluir a audição do terceiro de 17 arguidos.
De acordo com o advogado, o vídeo, de “longos minutos”, retrata como decorriam as reuniões do grupo, de “cariz pessoal”, e as imagens, “presumivelmente feitas com uma câmara escondida”, foram apresentadas aos arguidos, perante a crítica da defesa.
O vídeo terá sido apresentado como prova de uma denúncia feita em Maio sobre as reuniões que o grupo fazia, num espaço privado em Luanda.
“Queremos saber a origem deste vídeo. Foi requerido ao tribunal que o denunciante venha a tribunal para que possa justificar como e em que circunstâncias foi gravado esse vídeo. Felizmente não tem nada de incitação à violência, nada que diga que estivessem a preparar acções violentas”, sublinha o advogado.
Além de desconhecer o autor – um alegado “agente infiltrado” no grupo -, a defesa quer saber como o mesmo vídeo foi obtido.
“Há uma intromissão na vida privada das pessoas. Porque as reuniões decorriam num sítio fechado, não havia autorização para que fossem filmados. Já que se diz que foi um dos participantes que filmou, então requereu-se que esse participante comparecesse para dizer em que circunstâncias ele filmou esse vídeo”, concluiu David Mendes.
Dos 17 arguidos em julgamento, acusados da co-autoria de actos preparatórios para uma rebelião e um atentado ao Presidente angolano, crime punível com até três anos de prisão, 15 estão em prisão preventiva desde Junho.
Segundo a acusação, estes jovens activistas reuniam-se aos sábados para discutir as estratégias e ensinamentos da obra “Ferramentas para destruir o ditador e evitar uma nova ditadura, filosofia da libertação para Angola”, do professor universitário Domingos da Cruz – um dos arguidos detidos -, adaptado do livro “From Dictatorship to Democracy”, do norte-americano Gene Sharp, inspirador das chamadas “Primaveras Árabes”.
Depois de inquirido na quinta-feira durante a manhã e na sexta-feira durante a tarde, o autor do livro (cujas 180 páginas foram lidas na íntegra por um oficial de justiça durante o julgamento), Domingos da Cruz, foi ainda hoje questionado pelo Ministério Público e pela defesa, perante as críticas dos advogados, que denunciam uma postura “dilatória” do tribunal.
A pedido da defesa, apenas os arguidos que já prestaram declarações e o que deverá ser inquirido no próprio dia são agora transportados da hospital-prisão de Luanda para o tribunal, para evitar o desgaste antes do testemunho.
Na terça-feira será ouvido Nuno Álvaro Dala, o quarto dos 17 arguidos.
Os advogados de defesa insistem na libertação dos arguidos em prisão preventiva – conforme a lei prevê para este tipo de crime , e afirmam que a acção destes jovens, com idades entre os 18 e os 33 anos, se enquadra na liberdade de expressão e reunião.
Protesto dos jornalistas
Entretanto, o Sindicado dos Jornalistas de Angola manifesta-se preocupado com a decisão de juiz Januário Domingos José que julga os 17 activistas de proibir os profissionais da comunicação de assistir às audiências.
Para o presidente daquele sindicato, Teixeira Cândido, a decisão configura-se uma violação da liberdade de imprensa.
Em declarações à VOA, Teixeira Cândido diz que o sindicato “manifesta-se preocupado porque a decisão do juiz não tem fundamento legal”.
Teixeira Cândido explica que “nos termos do artigo 407 do Código de Processo Penal, as audiência são públicas e sendo públicas não encontra o Sindicato dos Jornalistas Angolanos fundamento para a decisão do juiz”.
Na passada sexta-feira, o sindicato escreveu uma carta ao juiz que deu entrada hoje a pedir que ele “se pronuncie ou recue na decisão”, porque, reitera Teixeira Cândido, “a decisão do juiz configura de facto uma violação da liberdade de imprensa”.